É provável que a intrincada relação entre a saúde bucal e o bem-estar geral do organismo não seja uma novidade para muitos. Contudo, descobertas recentes têm aprofundado nossa compreensão sobre como especificamente a condição dos nossos dentes pode influenciar sistemas vitais, como o cardiovascular. Prepare-se para uma imersão em como um sorriso incompleto pode, surpreendentemente, estar ligado à hipertensão.
A ciência, em sua constante busca por respostas, frequentemente nos revela conexões que, à primeira vista, parecem improváveis. Um estudo recente, publicado no conceituado periódico Frontiers in Dental Medicine, lança uma nova luz sobre esta temática, com foco particular na população idosa.
Pesquisadores japoneses, sob a liderança de Takafumi Abe, analisaram dados de 1.578 indivíduos com 65 anos ou mais e identificaram um padrão intrigante: a perda dentária, especialmente quando não compensada pelo uso de próteses (dentaduras), correlacionou-se com um risco aumentado de desenvolver hipertensão arterial.
Mas qual seria o mecanismo por trás dessa associação aparentemente inusitada?
A resposta reside, em grande parte, na função mastigatória e suas implicações nutricionais. Imagine o seguinte cenário: a ausência de dentes, ou mesmo a presença de poucos deles, dificulta significativamente a capacidade de triturar alimentos mais consistentes e fibrosos. Naturalmente, o indivíduo tende a optar por uma dieta de alimentos mais macios, que exigem menor esforço mastigatório. Aqui reside um ponto crucial: muitos desses alimentos de fácil ingestão são processados ou ultraprocessados, frequentemente caracterizados por elevados teores de sódio e baixos níveis de potássio.
Pensemos em sopas industrializadas, purês instantâneos ou pães excessivamente macios. Embora práticos, seu perfil nutricional pode, a longo prazo, contribuir para um desequilíbrio eletrolítico.
O estudo japonês observou justamente isso: os participantes com perda dentária que não utilizavam dentaduras apresentaram uma relação sódio-potássio (Na/K) urinária significativamente mais elevada. Esta relação é um biomarcador reconhecido; níveis elevados são um sinal de alerta para o desenvolvimento de hipertensão e para um maior risco cardiovascular. É como se o corpo, privado da capacidade de processar uma gama variada de alimentos, acabasse sobrecarregado por um elemento e carente de outro.
A prótese dentária: mais que estética, uma aliada da saúde sistêmica
Curiosamente, o estudo revelou um dado animador: idosos que utilizavam próteses dentárias (dentaduras) para substituir os dentes perdidos apresentavam níveis de Na/K mais equilibrados. Isso sugere que as dentaduras, ao restaurar parcialmente a função mastigatória, permitem a manutenção de hábitos alimentares mais diversificados e, consequentemente, um melhor equilíbrio eletrolítico. Não se trata apenas de recuperar a estética do sorriso ou o prazer de comer certos alimentos; trata-se de preservar uma via fundamental para a nutrição adequada.
Essa constatação nos leva a questionar: será que, como sociedade, damos a devida importância à reabilitação oral, especialmente na terceira idade? A manutenção da funcionalidade da boca, mesmo que através de dispositivos protéticos, emerge como um fator crucial na prevenção de desequilíbrios dietéticos com potencial impacto sistêmico.
Perda dental e o risco aumentado para demência
Ademais, para além das implicações cardiovasculares, é crucial mencionar que a perda dentária na terceira idade também tem sido investigada como um fator de risco para o declínio cognitivo e doenças demenciais, como o Alzheimer.
Estudos sugerem que a redução da capacidade mastigatória pode diminuir o fluxo sanguíneo cerebral e a estimulação sensorial benéfica para a função cerebral. Adicionalmente, processos inflamatórios crônicos associados a doenças periodontais – frequentemente precursoras da perda dentária – podem contribuir para a neuroinflamação, um componente conhecido na progressão de doenças neurodegenerativas.
Sem mencionar as deficiências nutricionais decorrentes de uma dieta restrita pela dificuldade de mastigação, que também podem impactar negativamente a saúde cerebral. Isso amplia ainda mais o espectro da importância da saúde oral, posicionando-a como um pilar para a manutenção não apenas da saúde física, mas também da saúde cerebral ao longo do envelhecimento.
Implicações e perspectivas para o cuidado integral
Os achados dessa pesquisa reforçam uma visão que nós, profissionais da odontologia, defendemos com veemência: a saúde bucal é indissociável da saúde geral. É um equívoco considerá-las entidades separadas.
- A prevenção continua soberana: a manutenção dos dentes naturais por meio de uma higiene oral rigorosa e visitas regulares ao cirurgião-dentista é, sem dúvida, o cenário ideal.
- Reabilitação é essencial: em casos de perda dentária, a reabilitação com próteses (sejam elas dentaduras, pontes ou implantes) não deve ser vista como um luxo, mas como uma necessidade para a manutenção da função e, como vimos, da saúde cardiovascular.
- Consciência alimentar: independentemente da condição dentária, a atenção à qualidade da dieta, priorizando alimentos frescos e minimizando o consumo de ultraprocessados ricos em sódio, é fundamental.
- Cuidado interdisciplinar: é imperativo que profissionais de saúde e gestores de políticas públicas reconheçam e atuem sobre essa interconexão. Incentivar o uso adequado de próteses e promover o acesso a cuidados odontológicos abrangentes, especialmente para a população idosa, pode se configurar como uma estratégia preventiva valiosa contra a hipertensão.
Este estudo se soma a um corpo crescente de evidências que posicionam a saúde bucal como um componente essencial das estratégias de promoção da saúde e longevidade. A mensagem central é inequívoca: cuidar do seu sorriso é, em muitos níveis, cuidar também do seu coração. Já considerou como a sua saúde bucal pode estar influenciando seu bem-estar de formas que você nem imaginava?
Este artigo foi elaborado com base em estudos científicos recentes, mas não substitui a consulta a profissionais de saúde. Converse sempre com seu dentista e médico sobre suas condições específicas.
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